Em conversa franca com Marie Claire, Rinha de Bateria da Camisa Verde e Branco se abre sobre vida dupla entre Brasil e Estados Unidos, lamenta eleição de Donald Trump e sua política antiimigração, enaltece representatividade trans no Carnaval e detalha sua saída polêmica da Unidos de Padre Miguel. Ela ainda relembra episódio em que precisou dar propina para policial e mostra bastidores da sua amizade com Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, cantor que é tema do Samba-Enredo da Escola paulista
Thalita Zampirolli foi escolhida como Rainha de Bateria da Camisa Verde e Branco, uma das Escolas mais tradicionais de São Paulo, para o Carnaval 2025. A Escola de Samba fará um tributo a Cazuza com o Samba-Enredo “O tempo não para! Cazuza – o poeta vive”.
Em entrevista exclusiva a Marie Claire, ela enaltece a representatividade da Comunidade LGBTQIAP+ na Folia, relembra o despertar da sua identidade de gênero e detalha a tensão de viver nos Estados Unidos após a vitória do Presidente Donald Trump e sua política anti imigração. “Não somos mais minoria. Somos resistência”, declara.
“Já passou da hora.” É assim que ela avalia a presença e exaltação de Membros da Comunidade LGBTQIAPN+ no Carnaval. “Se não fosse por eles, a festa não existira. Os gays fazem as Fantasias, vemos Alas compostas por mulheres trans, a Tuiuti está fazendo um Desfile sobre uma travesti… é muito lindo de ver. Aos poucos, viemos quebrando esse tabu. É lindo ver que conseguimos,” reconhece.
Zampirolli diz nunca ter sofrido preconceito no Carnaval pelas Escolas por onde passou. “Sempre recebi tanto carinho que queria estar sempre lá”, declara. Mas, pontua que é um caso a parte, visto que o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo.
Mesmo assim, se recorda de um episódio em que alega ter sido “extorquida” por um policial, que exigiu suborno para que ela fosse liberada. “Uma vez, fui parada por uma blitz na Avenida Brasil, de madrugada, e fui extorquida por um policial. Estava voltando de um Ensaio de rua com o meu assessor, e o oficial disse que minha carteira de motorista era americana, então eu não poderia estar dirigindo com ela. Tive que pagar propina. Fiquei com muito medo”, lamenta.
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Relação com Cazuza e Lucinha Araújo
Em defesa da Comunidade, a Rainha da Escola de Samba que celebrará Cazuza, Ícone bissexual que foi o primeiro Artista a declarar abertamente o diagnóstico de HIV, reforça: “Carnaval é para todos. Não pode existir preconceito. Ele é aberto para as pessoas serem felizes como quiserem“.
Ela, que tem “Exagerado” como um das suas músicas mais presentes em playlists de malhar, ainda celebra a relação que construiu com Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, por conta do Enredo da Camisa Verde e Branco desse ano. “Tive o prazer de conhecê-la. Foi uma pessoa incrível, uma mulher de um astral sem igual, que contagia. Agora, sempre que a família [de Cazuza] vem para os Estados Unidos, tento me encontrar com ela”, detalha.
E complementa: “Lucinha sempre fala coisas muito maravilhosas. Ela é muito sábia e tem uma bagagem de experiência de vida muito grande. Foi ela quem me enfaixou na minha coroação e foi muito gentil e educada”.
A vida fora do Brasil
No entanto, nem só de lembranças felizes vive o Carnaval. Zampirolli precisou viver uma “vida dupla” para conseguir ser Rainha da Camisa Verde e Branco este ano. Isso porque a Modelo vive atualmente nos Estados Unidos, por isso precisou planejar sua agenda de forma minuciosa para conseguir marcar presença nos Ensaios e se dedicar à comunidade. “O Carnaval recarrega minhas energias para levar minha vida mais feliz, é o momento que consigo brincar. Tem hora que nem eu sei como consigo executar tudo isso. É uma jornada tripla esse ano, já que também Desfilo em uma Escola do Espírito Santo e estarei em Camarotes no Desfile no Rio de Janeiro“, entrega.
Ela explica que costuma montar sua agenda em Boston, onde vive, incluindo os tempos de dias que ficará no Brasil, quando será sua volta e compromissos inadiáveis, para que consiga estar no país nos dias necessários.
A brasileira ainda se abre sobre como a eleição do presidente Donald Trump e as políticas anti imigração adotadas por ele afetaram sua vida. “Sou cidadã americana, estou legalmente no país, pago meus impostos e das minhas empresas em dia, então não tenho medo de nada. Mas, fico triste porque é uma coisa muito polêmica.”
“Acredito que essa tempestade vai passar. Não somos mais minoria, somos resistência. Nosso público move muitas rendes para os Estados Unidos” – Thalita Zampirolli
Uma saída polêmica
Estando à frente da Camisa Verde e Branco, fazendo sua estreia no Carnaval paulista, Thalita Zampirolli relembra sua antiga escola de samba na qual era rainha, a Unidos de Padre Miguel. “Amava estar lá, amo a comunidade porque recebi muito carinho na Vila Vintém. Quando chegava no Brasil, falava que queria ficar com as crianças, peguei até piolho. Quando o ensaio acaba, queria sentar com elas, era muito legal”, diz.
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“A notícia [da minha saída] veio antes mesmo de eu saber. Quando a escola ganhou, fomos para a quadra comemorar e tinha um aviso sobre isso. Achei que faltou um pouco de consideração. Hoje passou, novas portas se abriram. A escola é maravilhosa e torço para que faça um desfile lindo. Mas nós vinhamos criando um vínculo e eu vivenciava a experiência do barracão, ateliê… acreditava que seria duradouro, mas a gente entende. Não sou dona da Escola.”
Ainda assim, comemora assumir o posto na escola paulista: “Foi um presente para mim, é a primeira vez como rainha no carnaval paulista. Está sendo tudo muito novo, fui muito bem recebida. Tudo que envolve brilho e samba me deixa extremamente feliz”.
O sonho de ser Rainha de Bateria
Para Zampirolli, o posto de rainha representa “liberdade”. Ela conta como isso foi importante para o despertar da sua identidade de gênero. “É algo muito especial, me sinto realizada com esse cargo de uma maneira que mostro para outras meninas trans que é possível chegar onde eu cheguei. Quando era criança, via meninas querendo ser paquitas. Eu queria ser a Globeleza. Passava purpurina no corpo e falava que era. É a realização de um sonho que aquece o meu coração. Que cheguem muitas outras [mulheres trans nesse espaço]”, celebra.
Em relação à sua autoestima, a rainha se diz super feliz consigo mesma. “Não tenho nada a reclamar de todos os procedimentos estéticos que fiz. As pessoas têm que aprender a respeitar os corpos das mulheres. Não é porque estou de biquíni ou tapa-sexo que tenho que ser desrespeitada”, reitera. “Nos cuidamos para sambar na avenida felizes.”
Ao final, enaltece a presença feminina no Carnaval. “Estão ali realizando um sonho, felizes por amor”, diz. E lembra: “Todas são mulheres, cada uma com sua estrela e brilho representando algo. O preconceito está fora de moda. O mundo está aí. Estamos em 2025 e a avenida é para todas”.
Por João Maturana, em colaboração para Marie Claire — Rio de Janeiro (RJ)